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sexta-feira, outubro 28, 2005

Porque amanhã muda a hora ?

Texto de Nuno Crato in "Revista Expresso" 26/10/02

Uma jornada para aproveitar a luz do sol, que nos leva de Pedro Nunes a Benjamin Franklin.

Com o ajustamento da hora, o período de maior actividade e consumo de energia adapta-se à evolução dos momentos de nascimento e ocaso do Sol. Toma-se também partido dos crepúsculos, de que se representam no gráfico os limites do civil (lusco-fusco) e astronómico (noite cerrada).
Amanhã muda mais uma vez a hora, como em toda a União Europeia, nos Estados Unidos e em muitos países do mundo. Pela 1h da manhã, os relógios atrasam-se 60 minutos, dando-nos mais um pouco de tempo para descansar. No último domingo de Março far-se-á um ajuste análogo, mas em sentido contrário: os relógios adiantam-se. Outros países seguem estes calendários ou outros semelhantes. Mas este ano é o primeiro, por directiva comunitária (2000/84/EC), que todos os países da União Europeia escolhem as mesmas datas para acertar os relógios.
Mudar a hora é habitualmente fonte de confusões. Há sempre uns relógios que escapam ao acerto e há sempre alguém que chega ao emprego na hora errada. Mas a mudança de hora traz tantas vantagens à vida das pessoas e à economia do países que é um ajuste que vale a pena.
Amanhã ajustamos o relógio, terminando a «hora de Verão» e repondo a hora normal do fuso em que vivemos, que coincide com o Tempo Universal Coordenado (UTC), por vezes chamado Tempo Médio de Greenwich (GMT). Com isso, quase todos evitamos acordar ainda de noite e sair de casa antes do nascer do Sol. Anoitecerá mais cedo, mas isso acaba por custar ao país menos dinheiro, pois nessa altura já a grande maioria das empresas industriais terá terminado o seu horário de trabalho.
No início da Primavera far-se-á outro ajuste, nessa altura para entrar em vigor um desvio à hora normalizada e adicionar 60 minutos ao tempo de Greenwich. Com esse desvio, volta-se a poupar recursos, pois passa-se a acordar mais cedo e a aproveitar a luz da manhã, que aparece igualmente mais cedo. Passa-se também a aproveitar a luz de fim de dia, sem ser necessário recorrer à iluminação artificial para preparar o jantar ou para jogar à bola. Os acertos de hora representam uma poupança considerável, tanto no Verão como no Inverno.
Para o estabelecimento da hora legal não está em jogo apenas o nascimento e ocaso do Sol, mas também os períodos de lusco-fusco, os chamados crepúsculos matutino e vespertino. Esses crepúsculos, na realidade, representam períodos de fronteiras pouco definidas que dependem das condições meteorológicas e da topografia do local, mas os astrónomos convencionaram limites claros. Chamam crepúsculo astronómico ao período em que o Sol se encontra entre 18 e 12 graus abaixo do horizonte, crepúsculo náutico ao período em que se encontra entre 12 e 6 graus nessa situação e crepúsculo civil ao período em que se encontra 6 graus ou menos abaixo do horizonte. Grosso modo, os limites estabelecidos correspondem a três fases do crepúsculo: o raiar da aurora ou começo da noite cerrada para o crepúsculo astronómico, o começo ou fim do céu azulado para o crepúsculo náutico e o começo ou fim do período em que é dia claro, apesar de o Sol se encontrar abaixo do horizonte, para o crepúsculo civil.
Curiosamente, o primeiro a analisar os limites dos crepúsculos de forma rigorosa e quantitativa foi Pedro Nunes (1502-1578). O problema não é simples, pois o movimento (aparente) do Sol não é sempre o mesmo. Pedro Nunes veio a verificar que isso acarretava crepúsculos de duração diferente, que variam com a latitude do local e com o dia do ano. Se calcularmos a duração do crepúsculo civil em Lisboa, por exemplo, verificamos que ele oscila entre um mínimo de 26 minutos em Março e Setembro, perto dos equinócios, até um máximo de 32 minutos em Junho, por altura do solstício de Verão. Não é uma diferença apreciável, mas representa uns 12 minutos diários de lusco-fusco a mais ou a menos. Esse período em que a luminosidade ainda evita a iluminação artificial é melhor aproveitado pela flexibilidade da hora.
Um século passado sobre os trabalhos de Pedro Nunes, Christian Huygens inventou o relógio de pêndulo (1656). Um outro século depois, cerca de 1760, começaram a ser construídos os primeiros relógios de bolso de precisão. A vida começou a ser regulada pelo relógio mecânico e passou a dar-se outro valor ao tempo. Não faltaria muito para que alguém se lembrasse de ajustar a hora à mudança das estações. Esse alguém foi o político e inventor Benjamin Franklin (1706-1790).
Na altura já com 78 anos, o inventor do pára-raios e das lentes bifocais vivia em França, como embaixador do seu jovem país. A pedido de um amigo, Franklin começou a escrever crónicas para o «Journal de Paris». Eram peças divertidas, mas onde se vislumbrava sempre o seu espírito inovador. Num desses artigos, publicado em 26 de Abril de 1784 com o título «Um projecto económico», Franklin queixa-se de os parisienses se levantarem tarde, já pelo meio dia. Ironicamente, assegura aos leitores que o Sol se levanta muito mais cedo, diz tê-lo visto com os seus próprios olhos... Sugere que a hora mude e que no Verão a vida comece 60 minutos mais cedo. Faz algumas contas e diz que Paris poderá assim poupar anualmente 32 mil toneladas de cera de vela.
A ideia de Franklin demoraria mais de um século a ser posta em prática. Foi preciso um evento triste, a Grande Guerra, para os Estados sentirem a necessidade premente de poupar energia. Em 30 de Abril de 1916, a Alemanha e a Áustria mudaram a sua hora legal, introduzindo a «hora de Verão». Três semanas depois, em 21 de Maio, outros países europeus seguiram o exemplo, entre os quais Portugal. Em 1917 foi a vez da Austrália e Nova Zelândia, e em 1918 dos Estados Unidos. Hoje, mais de 70 países aderiram ao regime de mudança de hora. Os cálculos de Pedro Nunes e a ideia inovadora de Benjamim Franklin tiveram uma repercussão com que poucos na
altura sonharam.


Autor: Nuno Crato

In "Revista Expresso" 26/10/2002
 
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